19 de nov. de 2008

Sobre o Apego e o Desapego

Tenho certo apego ao passado. Por alguns momentos tenho esse fato como uma fraqueza, por ser irreprimível. Por outros momentos, no entanto, considero como uma virtude, pois indica que parte da minha estória de tão especial, tornou-se inesquecível.

É verdade que é bom ter recordações, principalmente no tocante aos momentos felizes e inusitados, aqueles em que parecemos ser protagonistas de um bom filme. É fato também que existem pessoas notadamente marcantes e que às vezes passam por nossas vidas por pouco tempo, eu diria até poucos dias ou poucas horas, mas que nos tocam profundamente, acariciam nossa alma como um bálsamo, e depois se vão. E depois se vão. Seguem peremptoriamente os seus destinos.

E o que fica são lembranças, a saudade. Ah, saudade! Aquela saudade traduzida pela ausência do toque das mãos, que pelo menos fisicamente, deixam de se encaixar. Saudade de não sentir o ritmo da respiração da pessoa querida ou movimento dos lábios quando ela sorri.

Isso tudo é “Coisa da Alma”, lembrando palavras do Grande Rubem Alves. Eu, inspirada pelo mesmo escritor, mas sem ousar ter o mesmo brilho e maestria, diria que existem pessoas que são ligadas por ‘laços espirituais’. Percebo que a vida às vezes nos distancia de pessoas que amamos em face de circunstâncias e vicissitudes diversas, porém, é interessante como que os laços ressurgem com os reencontros. Parece que a vida, depois de um tempo congelada, retoma o seu ciclo rítmico e aquela sensação de intimidade, de cumplicidade vem à tona. Pessoas queridas são sempre queridas!

A saudade e o passado são como espectros a nos inquietar o sono, grosseiramente comparando. E é por isso que o passado evidencia-se tanto como triunfo ou como uma ferida aberta que teima em não se cicatrizar.

Por outro lado, é fato também que o passado não pode nos assombrar. Não pode impedir que tenhamos outras aventuras ou apostemos em outras relações. Este tema muito me lembrou o poema de Mário Quintana, chamado “Canção do Dia de Sempre”. Nele, o poeta preconiza que é preciso viver cada dia de uma vez. Como as nuvens do céu. É preciso também dar chances às pessoas e não ficar comparando umas com as outras. “Sempre é outro rio a passar. (...) Tudo vai recomeçar!”

Com efeito. É preciso observar os sinais que a vida nos dá, saber quando uma etapa chega ao final, renovar. As lembranças necessitam ficar no coração, como pedaços de nós mesmos que se perderam... O coração cuidará bem delas, afinal, é tudo ‘coisa da alma’, são os ‘laços espirituais’...

7 de nov. de 2008

Companhia


Nunca me esqueci de uma frase que disse minha professora de literatura do colegial, certa vez, em uma aula: “Sou a minha melhor companhia”. Em um primeiro momento, poderemos pensar, ao ler essa frase, em apologia à solidão ou, até mesmo, ao egoísmo. No entanto, se pararmos para pensá-la em profundidade descobriremos uma realidade intrínseca à vida humana e da qual não podemos fugir.
É verdade que fazemos amigos. É verdade que a família é um bálsamo. E ainda, que temos relacionamentos amorosos intensos, e muitas vezes, maravilhosos. Mas, verdade mais intensa ainda é que cada um deve seguir o seu caminho.
Claro. Ninguém pode ficar estacionado, parado no tempo a espera de um desfecho para a vida. Todos abraçam diferentes destinos. Os amigos, nós os guardamos com carinho, com extremo amor, sempre nos lembrando de sua doce “companhia”. Contudo, não podemos tê-los todo o tempo. Fazemos novos, preservamos os antigos. Lembramos com doçura eterna. A família, que é nosso abrigo e consolo, também não estará para sempre a nossa disposição, pela separação natural que o tempo exige.
E os relacionamentos amorosos? Ah os relacionamentos... Quanto nos custam. Podem ser magníficos. Apesar disso, não podemos esperar que haja alguém no mundo que nos complete, e, aliás, como tantos defendem, alguém que seja obrigado a nos suportar eternamente.
Em outras palavras, a única pessoa que conviveremos o tempo todo somos nós mesmos. E por mais incrível que pareça, algumas pessoas não toleram ficar, nem por instantes, sozinhas. Não suportam a própria companhia. Muito triste. Um verdadeiro desencontro. É preciso que gostemos, sobretudo, da nossa companhia, de quem somos.
Portanto, não perca tempo buscando prender as pessoas ou impondo sua presença. Ao contrário. Cuide-se. Ame-se. Leia bons livros, poemas, ouça música. Faça cursos que gosta, aprenda continuamente. Estimule sua inteligência, faça valer a pena ser você mesmo. Seja uma companhia agradável a si próprio. E então muito mais gente gostará de estar ao seu lado, gozando da sua presença.
Se formos doces com as palavras, gentis e educados mesmo estando sozinhos. Se formos capazes de deixar transparecer o melhor de nós, então, com certeza, mesmo não estando lado a lado, estaremos no pensamento de quem nos ama. Seremos desejados.
Sim. Também eu sou minha melhor companhia. Gosto dos meus pensamentos, e gosto de analisar meu jeito de agir. Gosto de ler livros, de comentá-los comigo mesma. Gosto de ser eu. E isso falta à maioria das pessoas, infelizmente. Temos tantos modelos a seguir que, às vezes, nos esquecemos de nós. O essencial é cuidar-se sempre. Amar-se interiormente. Ser uma agradável companhia, ainda que não haja ninguém por perto.

4 de nov. de 2008

Sobre dons e talentos

Todos nós fomos agraciados com dons, talentos e gostos próprios.
Outro dia, tirei uns minutos da minha tarde e sentei-me para assistir um pouco do programa de televisão que minha mãe acompanha. O tema concentrava-se no fato de certas pessoas gostarem de dançar, se vestirem de forma extravagante e adotarem posturas nem sempre convencionais. Tais fatos incomodaram outras pessoas e foram estas que estavam no programa.
A finalidade era discorrer sobre o descontentamento com a postura daquelas.
Parei para pensar. Ser um pouco diferente do convencional incomoda, não? Tanto que para certas pessoas é intolerável estar numa pista de dança e não saber dançar, enquanto outras têm aquela leveza de pluma. Tanto que para algumas pessoas é indisfarçavelmente insuportável saber que vai chegar na turma aquela pessoa que sabe contar piadas e diverte todo mundo. Ou aquela que sabe poemas, demonstra interesse em discutir política ou sabe todas as atualidades com destreza.
O que me intrigou nessa postura pessimista é saber que pessoas insatisfeitas com a postura da outra, percam tanto tempo se preocupando em como o outro dança, se veste ou nos assuntos que gosta de conversar. E o mais curioso é que em contrapartida, a pessoa objeto das inquietações, a seu turno, continua do mesmo jeito, dançando, sorrindo e cantando, mergulhada em si própria, pouco importando se está agradando ou desagradando. O formidável pra ela é sentir-se solta, é mostrar-se entregue a seus desejos, livre dos olhares curiosos e vigilantes daqueles que são escravos das normas de conduta e etiqueta.
Cada um, em verdade, foi agraciado por Deus com dons e talentos próprios. O ideal seria não maldizer a conduta alheia. A meu ver, já que não se tem facilidade para dançar, o melhor é optar por outra programação, ou estando ali naquele ambiente, faça algo diferente para ser admirado, atrair a atenção alheia. Quem não sabe cantar, dançar, pode conversar brilhantemente, pode escrever um belo texto ou fazer-se admirar pela sua cordialidade e gentileza. Salve a simpatia, que muito embora seja a mais antiga, continua sendo, por excelência, a melhor arma de qualquer pessoa.
O mais significante de tudo é saber que não é preciso usar máscaras para chamar a atenção. O importante é assumir-se, vestir-se conforme seus próprios desejos, entregar-se rasgadamente a seus sonhos, aspirações e comportar-se da forma que se sente melhor. Já vi tantas pessoas dizerem pomposamente que adoram beber whisky, mas fica ali, com um copo a noite toda, com o temor de deixar transparecer alguma careta (!!!).
E assim são alguns fatos da vida e assim são alguns detalhes que fazem tudo tão diferente e as pessoas tão especiais de serem percebidas... é que todos temos dons e talentos muito peculiares...

22 de out. de 2008

Quando o simbolo muda de Casa

É impressionante como tudo, como diria Lavousier, se transforma. As coisas não morrem elas apenas mudam de casa, os símbolos mudam de casa, cada vez me convenço disso. Perdi meu avô ha pouco mais de um mês e a dor dessa ausência definitiva é desesperadora no início, mas, o tempo funciona como um anestésico lento, que não alivia a dor, mas a distrai.

Ele era velho, morava sozinho e passava horas do dia sentado na sua varanda, eu o via pouco, mas, sempre que ia a Lagamar o visitava. Pedia a benção, fazia algumas brincadeiras e me sentava ali do lado dele, ele tinha a bíblia na mão quase sempre, eu ficava ali do seu lado e ele lia longos trechos para mim, na verdade eu não me preocupava em entender nada eu só queria me mostrar interessado em ouvi-lo, no fundo é isto que importa, as pessoas querem ter atenção das outras, se sentirem importantes.

Quando vovô morreu, eu pedi a sua bíblia para mim, me foi dada, ela tem a capa preta e de uma tradução é evangélica convencional e tem muitas folhas soltas e precisa de uma reforma. Pegar essa bíblia me fez chorar, no fundo eu senti a dor dessa transferências dos símbolos do meu avô Alinhar à esquerdacomo o conheci e que agora já não existe mais, é doloroso o fim de um símbolo. Ele não é nada mais para mim que a Bíblia agora, esse amontoado de letras sagradas. Na verdade ele não é a bíblia física, ele é alma daquele livro, não pelo fato de ser a bíblia, mas, poderia ser qualquer outro livro. Ela se tornou uma testemunha dos nossos encontros, dos momentos intensos que passamos juntos, só nos dois. Nunca mais verei seu rosto maltratado pelo tempo e pelo câncer. Seu rosto agora é feito de letras, de canções, de promessas sagradas. Eu toco a capa como se tocasse seu rosto e gostaria de acariciá-lo, gostaria de niná-lo como a uma criança de quem eu pudesse cuidar.

Eu olho pra ela e ainda posso ouvir a sua voz trêmula e as explicações espirituais convictas que ele tentava me transmitir, lembranças são crianças brincado de se esconder atrás de uma árvore de vez em quando elas aparecem para nos dar sustos. Tento me lembrar dele de quanto morava na fazenda e ainda fazíamos rapadura e sinto o cheiro da garapa um suco de cana muito gostoso. Aquela casa na fazenda faz parte tanto dos meus sonhos quanto dos meu pesadelos, é impressionante o contraditório.

Eu tenho uma certeza, eu vou sentir saudades, este sentimento impossível de se traduzir, sinto que a terra cobriu uma parte muito importante da minha história e eu, eu sou como tudo neste mundo, eu passo.

16 de set. de 2008

Ausência Defintiva

24 de maio. Festa Nacional do Milho. Aniversário da cidade.
O bom da fenamilho é que reencontramos amigos e parentes que muitas das vezes moram longe...e que aparecem para prestigiar a festa.
A cidade alvoroçada recebe suas visitas com uma calorosa emoção, um tanto atípica se comparada com estação do momento...outono. Nesta região, no outono faz frio.
Mas aquele tempo frio e seco, deu uma pausa, e a noite ficou estrelada...como magia!
_ Oi querida! Saudades de você! Precisamos conversar, vamos sair, tenho tanto a te dizer...
Em meio ao clima de festa, nos entregamos à música e às lembranças da adolescência.
Na companhia de um litro de conhaque, sorrindo em tom alto, aquele momento parecia eterno para amigos que há muito não se viam.
“Se eu for parte de sua lenda você voltará um dia”.
Um dia ele me disse. E ele sempre voltava... dizia não conseguir ficar longe e me mimava como se criança eu fosse.
Naquela noite, mais uma vez senti que era amada silenciosamente... um amor trazido desde a adolescência, com um gosto de risos de crianças, de confissões contadas na varanda de casa, de sonhos perdidos no passado que foram preteridos por outros sonhos, nem tão ingênuos, mas dotados de mais maturidade e mais grandiosidade, esta grandiosidade que só a idade consegue traduzir, um tanto eivada de responsabilidade, mas também de um inefável carinho.
E eu também o amava, do meu jeito, como sendo meu primeiro amigo, como sendo aquele que me despertara o primeiro desejo de deixar a infância, mesmo brincando descalça na rua.
No fim da noite, me carregou no colo e disse que me amava.
..............................................................................
Ausência Definitiva. Ou seria uma saudade contínua, que sempre permanecerá?
Hoje, pela primeira vez deparo-me com a morte, tão perto.
Aprendi que devemos aceitar a morte, por ser uma conseqüência natural da própria vida e como um descanso deste mundo às vezes tão cruel.
Todavia, poderia ter restado mais...não ir tão cedo. É estranho, os bons morrem jovens!
Não pude dizer adeus, mas, não quero, prefiro ‘até qualquer dia’.
Prefiro lembrar-me de você e das nossas longas conversas, dos nossos sonhos e da fenamilho... que deixou de ser fria, pelo calor dos nossos sentimentos.

17 de ago. de 2008

Ao Leitor

No prefácio de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em que Machado de Assis escreve o direcionando ao leitor, há uma referência à Stendhal que muito me marcou. Disse o Grande Bruxo, que Stendhal confessou quando da confecção de um de seus livros, que o havia escrito para não mais que cem leitores.

Modestamente, Machado de Assis, ou melhor, Brás Cubas afirmou que não se admiraria que seu livro tivesse no máximo cinqüenta leitores... Depois, quedou-se a reduzir o número dos possíveis leitores das Memórias Póstumas gradativamente... até que titubeante declinou cinco leitores. Cinco (!!!).

Ora! Forçoso seria relembrar que o livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, publicado em 1881, foi e é a obra mais destacada de Machado de Assis, este consagrado o maior escritor brasileiro de todos os tempos.

Em verdade, depois de fazer tão ousada referência é imperioso esclarecer que o objetivo pretendido aqui nesta sutil página de internet não é esperar que leiam minhas divagações os cinco leitores do “Defunto Autor” e tampouco os cem de Stendhal...

Aqui, caro leitor, encontrará apenas cacos... contas de vidro, nem sempre coloridas. Ou retalhos que juntos podem formar enfeites e até mesmo histórias engraçadas.
O que terá é o encontro despretensioso de amigos...
Amigos pensadores ou pensadores amigos? Amigos decerto. Apresentando cacos... juntando cacos... retalhos de vida, ora iguais, ora diferentes. Às vezes parecidos. Mas que juntos podem formar um vitral para que raios de sol por ele passe...
Para o mais, parafraseando novamente Brás Cubas, o que espero é “angariar as simpatias da opinião, e o melhor remédio é fugir de um prólogo explícito e longo ”.
Se nosso blog te agradar, “fino leitor, pago-me da tarefa; se não te agradar, pago-te com um piparote, e adeus.”.


Entre Cacos e Vitrais

Fragmentos são espécie de confissões sobre o todo, são pegadas que a plenitude deixa impregnada no mundo.

Cada dia o homem se convence que olhando pequenos pedaços do universo é capaz de encontrar respostas sobre o cosmo todo. O DNA é um exemplo disso, reflete o poder que os retalhos da nossa carga genética pode determinar. Basta uma única célula de um indivíduo para saber qual será sua estatura, sua cor dos olhos, e talvez até sua preferência sexual e possíveis características da personalidade. É uma espécie de predestinação.

Cacos de vida são exatamente isso, fragmentos de lembranças, uma colcha de retalhos com as nossas experiências: sonhos impossíveis, lágrimas tímidas que insistiram em cair, gargalhadas que acordam o prédio todo. Cacos de vida são fotografias das peripécias do acaso. Já um vitral é uma entidade sábia, afinal, ela deixa permite a passagem apenas daquilo que é capaz de iluminar, qualquer coisa que não seja raios de luz são incapazes de transpor suas convictas constituições físicas.

Juntar num mesmo momento cacos e vitrais e construir um holograma quase vivos de sentimentos humanos, é materializar os amores que se esconderam em alguma gaveta da cômoda, ou ficar dias tentando alcançar um ideal que ficou preso no alto de uma árvore.

Vitrais feitos de cacos fazem as luzes que transpassam se alternar em cores, e cor é tudo que faz as coisas serem diferentes, faz sua camiseta amarela ser nitidamente diferente da azul.

É o que faz da vida mais bela a diversidade de luz.

 
©2007 Elke di Barros Por Templates e Acessorios